domingo, 14 de dezembro de 2008

NÓS, A LOUCURA E A ANTIPSIQUIATRIA Editora Pallas S/A – Versão Brasileira – Esgotado Editora Afrontamento – Porto/Portugal – Esgotado Ernesto Bono



Ai, amigos, não sabíeis que vivemos numa Idade Média enfeitada e dominada pelo despotismo científico?! Submetidos a uma tecnologia faustosa e a um cientificismo dogmático, chamado erroneamente de progresso, somos em verdade marionetes. Como seres que sentem e pensam com independência e inteligência, simplesmente não existimos. Somos robôs de fortíssimos mecanismos de controle social.
Com o surgimento da chamada contracultura (1960-1970), muitos desses aspectos repressivos de controle da sociedade organizada têm vindo à tona.
A ciência, outrora apresentada como de indiscutível benefício ao ser humano, tem sido contestada nos seus mais diversos aspectos. E já não são poucos os que a vêem como uma arma de afirmação do establishment. Dogmas científicos, deduções esdrúxulas, induções calamitosas, agir desastrado e status quo são hoje a mesma coisa. A psiquiatria oficial, como filha do cientificismo e cerebralismo moderno, foi atacada, em suas bases ortodoxas, pelos antipsiquiatras convencionais, surgidos conjuntamente com o movimento contracultural. Dentre esses antipsiquiatras, tínhamos Laing, Cooper, Besaglia, Schatzman, entre outros. Talvez um tanto quanto dispersos e fragmentados, mas todos eles com inegável força. Eles foram aríetes contra os rótulos estigmatizantes, contra a cronificação dos enfermos mentais e sua despersonificação, contra o rechaço ao contato real e afetivo com o paciente. Infelizmente essa antipsiquiatria vista como um protesto social ou como uma mera curiosidade foi encampada pela psiquiatria oficial como mais uma corrente da própria psiquiatria vigente. O autor gaúcho doutor Ernesto Bono, neste seu notável trabalho, irmanou-se aos antipsiquiatras daquele tempo, hoje praticamente esquecidos. O trabalho do Dr. Bono, no entanto, embasou-se em pontos que as correntes de antipisquiatrias daquele tempo ainda não haviam tocado: "Homem, homem, antes de mais nada, conhece-te a ti mesmo!"... E nisto está a sua originalidade e seu ineditismo. Se Laing, Cooper e outros investiram contra a sociedade que não fazia outra coisa senão criar loucos e depois rechaçá-los e confiná-los, Bono vai muito mais além, apresentando inclusive argumentos convincentes sobre os motivos íntimos e individuais que causariam as diversas perturbações mentais em diversos indivíduos. O Dr. Bono não vê a loucura como sendo provocada por fatores sociais externos (ou a tese capital da antipsiquiatria de Laing e Cooper), ou por fatores familiares (como alegam Freud, Reich, Jung e respectivas correntes psicanalíticas), nem como sendo provocada por fatores internos ou bioquímicos-fisiológicos-cerebrais (visão da psiquiatria oficial). Bono traduz a origem da loucura como sendo a perda de uma condição até certo ponto inerente ao ser humano. Ou seja, a possibilidade de manifestar harmoniosamente o próprio pensamento e conseqüente execução do ato propositado. Quando os pensamentos estruturantes e os pensamentos discursivos se agigantam e se conflitam, instala-se uma confusão que bloqueia a manifestação natural da mente, e esta é também nosso bem estar e nossa liberdade interior. Se nos dermos conta de que a nossa sociedade interesseira, calculista e nada espontânea, está em adiantado estado de putrefação, não parecerão tão estranhas e heréticas todas essas colocações, ainda mais quando elas se convertem em diagnóstico correto e em terapia adequada. Outrossim, a temática sexual, à qual o autor dedica mais de três capítulos, foi abordada com extrema objetividade e clareza. Nesses capítulos, como se estivesse descrevendo o íntimo de um(a) jovem que desperta ao sexo, o autor não só apresenta as possíveis origens da esquizofrenia, que ele aponta como fruto da exacerbação do pensamento discursivo, como também oferece um enfoque bastante esclarecedor e natural a respeito do sexo que, quando mal compreendido, é uma fonte de neuroses, repressões, hipocrisias, e até loucuras ou psicoses. O autor, com 23 anos de vivência com enfermos mentais (Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre), nos apresenta ainda uma denúncia contra o bioquimismo cerebral, responsável pela estagnação definitiva de certo grupo dos assim chamados enfermos mentais. Numa época de tanta dependência, este trabalho tem como maior virtude, centralizar no próprio ser humano as possibilidades totais de sanidade ou de doença mental. E posto que o autor questiona a validez da psiquiatria e da própria ciência, baseadas em velhos vícios epistemológicos, ele tenta apresentar ainda uma nova maneira de conhecer ou pensar, que não apenas abre novas perspectivas ao entendimento humano, como também ajuda a resolver nossos próprios problemas.

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